SUELY ARAÚJO DO OC
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (17) o Projeto de Lei nº 10.273/2018, do ex-deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que reduzirá em muito o orçamento do Ibama ao mudar a forma de arrecadação da TCFA (Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental). A proposta também prejudica os órgãos estaduais de meio ambiente, que hoje recebem boa parte dos recursos da taxa, repassados pelo órgão federal.
A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental é um tributo existente desde o ano de 2000, que tem como fato gerador o exercício do poder de polícia do Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.
Há um anexo na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que lista as atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais que geram a obrigatoriedade de pagar a TCFA, entre elas a extração de minerais, a indústria metalúrgica, a indústria de papel e celulose, a indústria química, serviços como produção de energia termelétrica, tratamento e destinação de resíduos industriais líquidos e sólidos, exploração econômica da madeira ou lenha e subprodutos florestais.
A lógica é manter uma lista ampla de contribuintes, com um pagamento de valor baixo. Uma indústria química de uma empresa de grande porte, por exemplo, paga uma taxa de pouco mais de R$ 5.700 reais trimestralmente.
No total, os pagamentos pequenos somam um dinheirão: segundo o Ibama, no ano passado foram R$ 746,8 milhões arrecadados. O recurso tem utilização restrita a atividades de controle e fiscalização ambiental. Serve, por exemplo, para manter fluxo de caixa (“financeiro”, no jargão da administração pública) para custear valores autorizados para o Ibama fazer girar a máquina de fiscalização. Também beneficia governos subnacionais, porque o Ibama faz acordos de cooperação com estados que têm taxas similares para repasses que podem chegar a 60% dos valores. No ano passado, 20 estados receberam no total R$ 315 milhões (municípios também podem receber, desde que façam acordo com os estados). A parcela que ficou com o órgão federal, R$ 431 milhões, equivale a quase 25% do orçamento do Ibama, incluindo despesas com pessoal.
A proposta aprovada pela CCJ restringe muito a aplicação da TCFA. Determina que o Ibama poderá realizar a cobrança da TCFA apenas das atividades licenciadas pela União. Ocorre que a fiscalização do Ibama vai muito além dos empreendimentos licenciados pela autarquia. Por exemplo, o Ibama em geral não licencia empreendimentos em imóveis rurais, mas os fiscaliza o tempo todo. As competências de fiscalização são comuns aos três níveis da federação por força do artigo 23 da Constituição Federal, o que é reconhecido pelo art. 17, § 3º, da Lei Complementar nº 140/2011.
No passado, ocorreu debate jurídico sobre a possibilidade de cobrança da TCFA pelo Ibama em razão do poder de fiscalizar supletivamente empreendimentos licenciados pelos governos subnacionais, quando essa taxa foi criada há mais de duas décadas e em outras ocasiões, e a decisão do Supremo Tribunal Federal foi de confirmar a constitucionalidade do tributo.
Como o Ibama licencia empreendimentos complexos e de grande porte, mas a grande maioria dos licenciamentos ambientais é estadual, a aprovação da legislação que fundamenta a TCFA como previsto no PL nº 10.273/2018 implicará o esvaziamento completo dos recursos arrecadados com essa taxa, com reflexos diretos também nos repasses para os governos estaduais. Note-se que há subentendida na proposta uma redução – inconstitucional – do alcance da fiscalização do Ibama.
Há outros dispositivos do projeto de lei que contribuem para agravar essa situação. O projeto dispõe que “A TCFA é devida por pessoa física ou pessoa jurídica, independentemente da quantidade de filiais ou estabelecimentos que a compuser”, e que “Caso a pessoa física ou pessoa jurídica exerça mais de uma atividade sujeita à TCFA, pagará a taxa relativamente a apenas uma delas, pelo valor mais elevado”. Desconsidera, portanto, a proporcionalidade com o esforço de fiscalização ambiental, ou seja, a relação entre o valor da taxa e a atuação estatal.
Trata-se de proposta perversa, que busca reduzir o poder e os recursos do Ibama. Esperamos que o Executivo se movimente para derrubar esse projeto de lei.
Suely Araújo é coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima
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