Eles trabalhavam para uma corporação que operava alguns helicópteros para o transporte executivo dos proprietários e de suas famílias.
Normalmente eram voos de lazer, para localidades no interior do estado e no litoral.
A operação dos recém adquiridos bimotores leves era feita pelos antigos pilotos dos helicópteros anteriores, que eram monomotores homologados somente para voos VFR, e os recém-contratados Comandantes com experiência em helicópteros multi-motores e em voos por instrumentos.
Alguns dos pilotos antigos de casa passaram então a ocupar o assento da esquerda, mas para um deles, que já possuía um histórico de personalidade difícil, essa configuração não era aceitável e eis, aí, o x da questão...
A decolagem deles estava prevista para as 20h30, partindo de um heliponto homologado para pousos e decolagens noturnas, localizado no litoral do Rio de Janeiro. Aquela noite estava bem escura, céu encoberto e a visibilidade restrita em razão de um chuvisco.
O tempo no destino, a cerca de 50 minutos de voo, estava ok, então o plano era decolar, subir para nivelar no FL 065, aproando o fixo de início da REA e prosseguindo para o destino.
Só mais um detalhe, a maioria dos Comandantes que neste heliponto operam, limitam seus pousos e decolagens ao período diurno, pelo fato de que existe somente uma rampa para aproximação/decolagem e nesta, há obstáculos naturais que tornam a operação com baixa visibilidade arriscada.
Além dos fatores mencionados acima, uma decolagem de helicóptero de um local com iluminação para a escuridão total tem lá as suas particularidades e uma delas é a atitude que este tipo de aeronave toma naturalmente para ganhar velocidade e altitude, o famoso "pitch negativo e climb positivo", um fator que pode facilmente causar desorientação espacial.
Voltando à nossa história, como relatei acima, a relação entre os dois tripulantes não era exatamente a ideal, havia discussões frequentes, o que de fato figura entre os primeiros fatores de risco humanos para aviação, os denominados "Dirty Dozen", se você não leu, vale a pena.
Embarcaram os passageiros, fizeram um pairado no heliponto e iniciaram a decolagem. Devido às condições meteorológicas e à escuridão, o Comandante começou erroneamente a derivar para a esquerda em direção à um morro, o Copiloto, que deveria estar operando como "Pilot Monitoring " e fazendo os call outs necessários, não os fez, até que o Comandante, fazendo um check cruzado olhou brevemente para fora e viu o foco do farol de pouso da aeronave iluminando a copa das arvores do morro à esquerda do eixo de decolagem, iniciou rapidamente a correção com uma curva a direita ascendente e prosseguiram na subida.
Foi sem dúvida um baita susto, mas que poderia ter resultado facilmente, em um acidente.
Quando pousaram no destino o copiloto desceu para proceder o desembarque dos passageiros e, durante este procedimento, o proprietário da aeronave comentou: "estava bem escuro lá hoje, não?"
Em resposta, o copiloto disse: "Escuro? Nós quase morremos! O Comandante que o senhor contratou, quase bateu no morro durante a decolagem!"
O resultado da conversa foi a demissão de ambos...
Mas, o que eu quero deixar de mensagem neste Safety é bem simples.
A escolha da tripulação, a configuração em que vocês voam. Se é um Comandante e um Copiloto ou se são dois Comandantes, é uma escolha do operador, mas quando vocês entram em um cockpit, um de vocês vai voar e o outro vai monitorar, simples assim!
São dois colegas de profissão desempenhando suas funções com um único e maior objetivo: fazer com que todos possam voltar para as suas casas em segurança, ao final de cada voo.
Se há divergências de opiniões ou problemas de relacionamento entre a tripulação, isso deve ser tratado e jamais ignorado!
Façam o que for possível para resolverem estas questões e, se não for possível resolver através dos meios disponíveis, como um curso de CRM, uma boa conversa e um bom entendimento entre vocês, infelizmente a única saída será, em prol da segurança de voo, a substituição de um dos membros da tripulação.
Cockpit não é lugar para competição.
Lembre-se, somos o elo forte da segurança de voo.
Cmte Thales Pereira.
presidente@abraphe.org.br
#safetyabraphe200
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