Muitas destas embalagens e utensílios têm impressa a palavra 'compostável' (ou 'compostable', em inglês). É justo que perguntes: "Mas então não são compostáveis?". A resposta é mais complexa do que aquilo que parece à primeira vista. Sim, se dizem isso é porque são compostáveis. Antes que vás a correr entregar as tuas embalagens àquele amigo esquisito (como nós 🤓) que faz compostagem com minhocas, damos-te a segunda parte da resposta: só são compostáveis industrialmente, num ambiente com temperatura e humidade controladas.
A palavra 'compostável' faz com que muita gente pense que pode simplesmente atirar uma destas tigelas ou copos para a beira da estrada e que, tal como uma casca de banana ou uma folha de espinafre, estes recipientes vão desintegrar-se e fundir-se novamente com o solo. Ora, isso não podia estar mais longe da verdade.
Fora desse tal ambiente industrial, os bioplásticos vão seguir essencialmente o mesmo processo dos plásticos convencionais. Vão decompor-se em partículas cada vez menores sem desaparecer por completo durante muito tempo. Vão acabar nos oceanos, causando mais mortes entre animais marinhos. Podem, no limite, acabar igualmente dentro de nós e até na nossa corrente sanguínea, como já acontece com os microplásticos convencionais.
Os problemas estendem-se quando recuamos na cadeia de abastecimento. Se estamos a produzir plástico a partir de plantas, também vale a pena perguntar: como é que estamos a cultivar estas plantas? Infelizmente, com recurso ao que de mais danoso se faz na agricultura de larga escala – deflorestação, culturas transgénicas e uso substancial de herbicidas e pesticidas. Além de aumentar a área necessária para a agricultura.
Da mesma forma, porque é que estamos a produzir alimentos para fazer plástico em vez de alimentar uma população mundial que não pára de crescer? (A mesma questão é válida para a produção de biocombustível, que a pandemia e a guerra na Ucrânia vieram igualmente trazer para o centro da discussão).
Em Portugal há apenas três centros de compostagem industrial (nos quais se inseririam os bioplásticos): uma na região do Porto (Lipor), uma na zona de Lisboa (Valorsul) e outra no Algarve (Algar). Por maior boa vontade que tenhamos em dar o devido destino aos bioplásticos que nos chegam às mãos, não podemos ir bater à porta de uma destas centrais para entregar os nossos resíduos. São necessários, sim, circuitos mais robustos de recolha selectiva, que por enquanto ainda estão numa fase muito incipiente em Portugal.
Nestes circuitos, os bioplásticos têm uma grande vantagem em relação ao plástico tradicional quando falamos de desperdício alimentar. Se a comida que transportam se estragar, embalagem e alimentos podem ser compostados em conjunto. Isto traduz-se em menos plástico enviado para aterro, em menor contaminação com comida do processo de reciclagem do plástico e na transformação destes resíduos orgânicos em composto, que assim volta ao solo em vez de ficar a emitir metano num aterro.
O (bio)plástico na agricultura
Talvez menos evidente, há uma prática na agricultura (inclusive na produção biológica) que merece ser discutida: a utilização de telas plásticas para proteger culturas mais sensíveis. Vemos esta técnica ser aplicada com maior frequência nos morangueiros (para evitar que sejam prejudicados por plantas espontâneas ou infestantes), mas a verdade é que a prática se estende a muitas outras plantas. Uma vez terminada a colheita, há um mar de plástico sem destino à vista e um caso sério de contaminação dos solos com os resíduos que ficam.
Um consórcio internacional criado em 2010 e do qual faz parte a portuguesa Silvex desenvolveu uma gama de bioplásticos que podem ser incorporados no solo no fim da época de cultivo. Não encontrámos literatura que dê conta de uma análise completa do ciclo de vida destes produtos (e, convenhamos, a Silvex é a maior fabricante nacional de película aderente e papel de alumínio, entre outros), pelo que há que manter um olhar crítico aqui também.
No meio disto tudo há verdadeiras soluções?
Sim, há. Praticamente todas elas passam sobretudo por reverter esta adição aos descartáveis – sejam eles plásticos com origem em combustíveis fósseis ou bioplásticos –, que nos trouxe por este caminho de poluição, diminuição da biodiversidade e esgotamento de recursos.
Precisamos de maior circularidade na utilização de materiais, e numa aposta cada vez mais significativa em produtos que são desenhados com a reutilização em mente. E, não, os sacos e outras embalagens de papel não vão salvar-nos, até porque também essa indústria tem os seus problemas (eucaliptos, eucaliptos, eucaliptos).
Precisamos de recuperar os depósitos e as taras em garrafas e aplicá-los igualmente a outras embalagens, incentivando a sua manutenção num circuito mais fechado, com taxas de reciclagem e reaproveitamento muito superiores às actuais (que ficam manifestamente aquém das metas estabelecidas).
Projectos que indicam o caminho
Em Barcelona nasceu um óptimo exemplo. A Bûmerang tem um serviço de subscrição de recipientes reutilizáveis para restaurantes, cafés e cantinas. Mediante um pagamento mensal, estes negócios têm acesso a um conjunto de embalagens retornáveis que disponibilizam aos seus clientes, que por sua vez podem devolvê-las em qualquer espaço que faça parte desta rede. Ou seja, podemos pegar no recipiente que recebi no restaurante X e entregar no restaurante Y. Desde que não perca ou danifique o recipiente, o consumidor não tem qualquer custo com este serviço.
Da Catalunha vem ainda um outro caso de sucesso: o projecto reWINE. Aqui o objectivo passa por reutilizar as típicas garrafas de vinho – algo que tentámos fazer há alguns anos com os produtores de vinho com quem trabalhávamos no nosso restaurante, na altura sem êxito. A chave para o funcionamento deste modelo está na existência de uma infraestrutura que facilite todas as fases do processo (pós-consumo): o retorno, o transporte, a lavagem e a reutilização no produtor. Os números são bastante interessantes e deixam pistas para uma aplicação mais generalizada por toda a Europa.
No estado do Oregon, nos EUA, um conjunto de produtores artesanais de cerveja adoptou um sistema partilhado de garrafas reutilizáveis, que lhes permite voltar a enchê-las até 40 vezes sem perder qualidade. Ao devolver as garrafas vazias, os consumidores recebem uma pequena quantia. Assim, as cervejeiras poupam dinheiro e reduzem o impacto ambiental das suas operações. Tão simples, mas tão eficaz.
Por cá, a associação ZERO lançou um projecto chamado Take It com o objectivo de sensibilizar para este problema e de fomentar o hábito do uso de recipientes reutilizáveis em takeaway, ao invés do recurso constante aos descartáveis. Esta iniciativa caminha na mesma direcção da lei que entretanto entrou em vigor e que impõe a cobrança de 30 cêntimos por embalagem de plástico nos restaurantes.
Ainda no campo dos bioplásticos, há uma empresa (Full Cycle) que está a destacar-se por apresentar uma tecnologia capaz de transformar qualquer espécie de desperdício alimentar ou outros resíduos orgânicos em PHA (polihidroxialcanoato), um polímero resultante da acção de bactérias que é compostável e biodegradável – e que se decomporá mais rapidamente mesmo fora das centrais industriais.
Entre as alegações feitas pela Full Cycle está a de que o seu PHA chega a precisar apenas de sete semanas para se decompor à superfície do oceano. Pode, no entanto, levar alguns anos a degradar-se se for ao fundo – embora, diz o seu CEO, se algum animal ingerir PHA as bactérias no seu organismo encarregar-se-ão de consumi-lo.
Se a tecnologia avançar mais aprofundadamente nesta direcção, aí sim os bioplásticos podem afirmar-se como uma alternativa real e mais sustentável.
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