Olá! 👋 Os 2 assuntos deste mês Rato do campo, rato da cidade + arrumar o ano que passou
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Rato do campo, rato da cidade |
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Há algum tempo, no twitter, a Maria Moita contava o episódio de ter desistido de ir a um concurso de cultura geral porque a professora de Ciências disse "Vejam lá, aquilo tem muitos meninos dos colégios de Lisboa, não sei se deviam ir, vai ser muito difícil”.
Hoje falo um pouco sobre a perspectiva de crescer fora dos grandes centros, num tom mais leve porque é final do ano e a profundidade já está arrumada para 2022.
Nasci, cresci, não estudei mas vivo em Vila Real. Nem Vila Real nem Amarante são campo, mas fazem parte de um grupo extenso de cidades em Portugal que não acendem nenhuma luz na cabeça das pessoas. Não dizem nada. Não há referências visuais nem sociais. Toda a gente tem pelo menos um amigo ou um conhecido de Lisboa, do Porto, de Coimbra, de Braga, mas não há assim tantas gente à nossa volta que seja de Vila Real, de Portalegre ou da Covilhã.
Isso não tem novidade nem malícia nenhuma.
Sabemos que o Portugal das grandes cidades não é o mesmo que o Portugal da periferia e muito menos do interior.
O que quero partilhar com vocês são quatro mini-histórias que ilustram a minha naturalidade.
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Jorge Salvador, via Unsplash
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- Há diferentes níveis de ser de Vila Real.
A conversa é sempre assim: — Então, e a menina é mesmo de cá? — Sim, nasci cá, estudei fora e voltei. — Mas nunca a tinha visto! Os seus pais são de cá? (também há uma versão em que a pergunta é "a quem pertence?", ou então neste momento a conversa transforma-se numa lista de possíveis sítios onde eu, como vilarealense, devia ter sido vista: não costuma ir à biblioteca? e não costuma andar pela cidade? e onde é que mora?) — Não, os meus pais vieram para cá estudar e ficaram. Foi ao contrário de mim. Eu é que nasci em Vila Real. — Ah, então não é bem de Vila Real. É por isso.
- A vaca na varanda
Tenho uma ligeira sensação de que já escrevi esta história numa newsletter, por isso se tiverem memória de elefante perdoem-me a repetição. 2013 O meu amigo Guilherme mudou-se para Lisboa e, como acontece a vários conterrâneos, encontrou fauna urbana que não tinha a mais pequena ideia do que acontece para além das portagens da auto-estrada. A uma dessas pessoas, o Guilherme resolveu contar que a família dele tinha uma vaca e que, quando se mudaram para o apartamento, há alguns anos, a vaca, porque era o animal de estimação da família e dava o leite que precisavam, foi com eles também e ficou instalada na varanda. Foi preciso explicar que não era verdade. 2007 O meu amigo João mudou-se para Lisboa e, no decorrer de uma conversa qualquer, mencionou que Vila Real tinha um shopping, um centro comercial, como lhe quiserem chamar. A pessoa com quem ele falava fez uma pausa na conversa. "Espera, mas Vila Real não tem caminhos de cabras?" Em defesa, eu sei que a maioria das pessoas em Portugal não tem esta ideia. Aliás, em muitos casos esta ideia desaparece com o tempo, mas se perguntarmos a crianças ou adolescentes, o mais certo é responderem-nos com as imagens que associam a todas as localidades do interior. É o que aparece nas notícias e o que é promovido. Faz sentido, mas é bastante redutor.
- Vila Real de Santo António
Quando era pequena passava férias no Algarve, em casa da minha avó. A minha avó tinha uma loja e eu costumava fazer amizade com outras crianças de outras lojas da rua. Um dia, eu e a minha nova amiga (que se chamava Soraia), estávamos a conversar sobre os nossos cães e como tínhamos saudades deles. A conversa passou a discussão sobre que cão é que estaria mais longe e por isso as saudades eram piores (é, eu sei). A Soraia insistia que era o dela, porque estava na casa da avó que era no Alentejo. Eu insistia que era o meu porque estava em minha casa, em Vila Real. Não havia google e smartphone, amigos, por isso óbvio que eu, decidida a provar que sabia muito mais de geografia e, mais importante, que tinha razão, desenhei Portugal e pedi à Soraia para pôr um ponto onde era a casa da avó dela. Depois pus um ponto em Vila Real, lá em cima. "Vês?!" Adoro ter razão. Mas a moral da história é que a Soraia não sabia que havia Vila Real lá em cima. Para ela, Vila Real era Vila Real de Santo António, que era mais perto de onde estávamos. No fim até tínhamos as duas razão. Ser de Vila Real é, de Coimbra para baixo, ser de Vila Real Norte ou Vila Real Trás-os-Montes. Quando fui à RTP2 este verão, a minha naturalidade era Vila Real Norte. Não se pode dizer que me chateie, mas saibam — pelo amor à geografia de Portugal — que não há mais nada a seguir ao nome Vila Real. É só Vila Real. E por acaso o nosso feriado municipal é o Santo António
- Sotaque, tesoura, tesôra, os olhos e ojolhos
Quando fui para a escola primária fiquei confusa quando percebi que nenhum dos meus colegas sabia o que eram uma caneta de feltro nem um aguça. Para eles eram marcadores e uma afia. Também descobri que havia crianças que trocavam os Vs e os Bs, que diziam "vola" e, mais frequentemente, "baca". Do outro lado da cerca, a minha mãe achou que eu estava a apanhar sotaque. Comecei a carregar as palavras "cabeléiréiro" e semelhantes. Às vezes escapava-me um advérbio com "mãete" em vez de "mente" no final. Dizia coélho e espélho, ojolhos e ajaulas, Deve ter sido o pico do meu sotaque, não voltei a ter. É uma daquelas evidências que as pessoas da história 1 me apontam: mas é mesmo de cá?, nem sequer tem sotaque. Há alguns meses, a minha amiga Bárbara, que tem um canal de YouTube, disse-me que tinha ouvido o podcast e eu tinha mesmo sorte em não ter sotaque. Que soa melhor assim e que o sotaque da nossa região não é muito bonito. Já conheci uma pessoa tão auto-consciente e crítica do seu sotaque que se impedia de falar mais. O meu não-sotaque contribui para me dizerem que não pareço nada de Vila Real, como se fosse um elogio, também em paralelo com a Maria.
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O ponto de situação que ninguém pediu |
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✻ Arrumar o ano que passou ✻ |
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Não sou uma pessoa arrumada por natureza. Sou organizada, mas não arrumada. "Manter arrumado" é um talento que não tenho e a que a minha mãe queria muito que eu tivesse. Contudo, gosto bastante de arrumar coisas. Dedicar um dia a arrumar os livros, ou a rever a roupa, ou uma divisão da casa.
Arrumar o ano está nessa categoria.
É aquilo que em inglês chamam de Year Review.
Serve de ponto de situação, para afinar a rota. Se falo demasiado de "afinar a rota" é porque um dos meus medos é de repente acordar e terem passado 10 anos e não fazer a mínima ideia do que fiz com esse tempo todo. Pontos de situação são importantes para isso, para termos a certeza de que estamos a gastar a nossa energia naquilo que queremos, de forma consciente.
Além disso, ao longo do ano recolhemos e produzimos imensa informação. Temos de a tratar de alguma maneira, senão é inútil estar a juntá-la.
Há muitas formas de arrumar o ano, não há propriamente uma receita. O que sempre fiz todos os anos é ler o que escrevi no início do ano, o que esperava e o que sentia (é para isso que mantenho diários, no fundo) e arrumar os ficheiros de 2021 em discos externos. Este ano estou a planear estender a arrumação do ano e isto é o que eu estou a fazer:
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Analisar informação que juntei ao longo do ano
- O tempo que trabalhei
Comecei a usar o Toggl Track em Fevereiro deste ano, por isso, pela primeira vez, tenho uma quantidade enorme de informação concreta sobre onde gastei as horas de trabalho. Não tenho a certeza que vá tirar conclusões inesperadas, mas vai ser interessante analisar.
- Os números das redes sociais e online
Todos os meses registo as estatísticas do instagram, das newsletter e do site. Ao final do ano é possível encontrar padrões mais óbvios e perceber onde vale mais a pena usar o esforço. Embora muitas vezes publique o que me apetece no momento (não recomendo!), é bom ter alguma ideia do que funciona melhor e pior.
- Os orçamentos que emiti
Relacionado com o trabalho como freelancer, é importante ver quantos orçamentos foram emitidos, que valores e qual foi a taxa de aprovação. Vale a pena pensar em aumentar preços? O que quero para o ano para os meus orçamentos?
Ver que tarefas é que estou a adiar há meses
Mais a nível pessoal, até, do que profissional. Nesta lista estão coisas como limpar a lareira, mudar a lâmpada da cozinha, arranjar a tomada do microondas e comprar arranhadores novos para os gatos. Do lado profissional temos pôr o arquivo das newsletters online, submeter a proposta do doutoramento, comprar lanternas para o teatro e finalmente encerrar a cooperativa (uma saga burocrática).
Rever o calendário
Esta foi uma sugestão que vi no blog do Tim Ferris. Embora não vá fazer exactamente o que ele sugere, rever os compromissos que marquei em 2021 parece-me boa ideia. De certeza vou querer repetir alguns e ainda não sei. O meu plano é só olhar para o calendário e tirar algumas notas que me pareçam relevantes.
Escrever as 3 a 5 melhores partes do ano
Isto já se parece mais com um Year Review habitual. A nível profissional, as melhores partes do meu ano foram:
- A solidificação deste projeto
- Começar a trabalhar com o Renato no Bisarro.
- O Francisco (o meu marido) ter-se despedido para também trabalhar por conta própria.
A nível pessoal, o melhor e o pior do ano estão ligados e tudo o que havia para partilhar sobre o assunto já foi partilhado..
Escrever as 3 a 5 piores partes do ano
As piores partes do ano também têm de estar nesta revisão. 2021 não foi gentil com muita gente. O meu ano foi marcado por três tragédias familiares e, ao pé disso, a vida profissional não parece sequer muito importante, mas, tendo que escolher as partes que não correram assim tão bem, diria que foi:
- A quantidade de conteúdo necessário para continuar "presente" começou a escapar-me das mãos.
- Queria ter escrito mais e escrevi muito pouco.
- Em 2021, acho que acabei 2 livros, o que me deixa bastante desconsolada. O meu cérebro está muito preguiçoso e tem clara preferência pelo YouTube.
Escrever 3 a 5 planos ou compromissos que quero levar para 2022
Sinceramente, ainda não pensei nisto. Diria sair mais vezes de Vila Real, ver mais exposições e ver mais os amigos. Profissionalmente, escrever mais e continuar a trabalhar com o Renato.
Arquivar projetos deste ano e fazer um backup geral
Não faço tantos backups como devia, mesmo com o meu pai a lembrar-me disso todos os meses (ele é obcecado com perda de ficheiros). Desde que comecei a usar o iCloud e a Drive para trabalho, está tudo lá e não penso muito na hipótese da perda. Mas ela existe e o armazenamento é finito.
Com o final do ano, a pasta de projetos de 2021 vai ser arquivada nos dois discos externos que tenho. Isso marca, há anos, o final do meu ano de trabalho.
Posto assim, em texto corrido, parece uma trabalheira, mas não conto gastar mais do que duas horas nisto. Costumam fazer revisão do vosso ano? Se sim, há um sistema ou é como vai calhando?
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If you're not working hard, ideas don’t matter. The best idea is worthless without execution.
If you're already working hard, ideas are crucial. Most effort is wasted on mediocre ideas.
– James Clear
Feliz Ano Novo!,
Sofia
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