Outro dia fomos almoçar a um restaurante que visitamos com regularidade. Ao receber os pratos, soou um alarme na nossa cabeça: todos eles vinham aparentemente com menos comida do que o normal. Podia ser uma falha de um novo cozinheiro ou até mesmo uma percepção errada da nossa parte. Por via das dúvidas, decidimos ir falar com a cozinha.
Primeiro desconversaram, depois admitiram a mudança. Por ordens superiores, as porções tinham encolhido. Não explorámos as razões por trás da decisão, mas na sequência da escalada recente da inflação não é difícil adivinhar o porquê. Em vez de aumentar os preços, este restaurante optou por cortar nas quantidades.
Há um nome para isto: reduflação (shrinkflation, em inglês). E é um prática com décadas de existência, sobretudo na área do retalho. Talvez já tenhas dado conta de pacotes de batatas fritas com mais ar e menos batatas do que antes, ou então de rolos de papel higiénico que perdem folhas por comparação com versões anteriores. A lógica aqui é simples – evitar que o consumidor se sinta prejudicado pela subida do preço, tentando fazer ajustes ao produto sem que ele se aperceba disso.
Na prática, quando um (raro) consumidor dá conta do truque, as consequências podem ser ainda piores. Para nós, no caso do tal restaurante, foi uma mancha na relação que construímos ao longo do tempo. O que não nos impediu de voltar lá no fim-de-semana passado, com a memória já meio difusa daquilo que tinha acontecido. Bastou, no entanto, olhar novamente para os pratos que nos foram servidos para reavivar um certo sentimento de repulsa pela prática subtil de enganar um cliente.
A inflação que se vê e se sente
Numa altura em que os preços não param efectivamente de subir, é legítimo – tanto para empresas como para pessoas – reavaliar todos os custos associados à sua existência. Como esta é uma newsletter centrada na alimentação, vamos seguir por esse caminho e deixar as outras dimensões da vida para quem é mais especialista nelas.
Em Portugal, o preço do "cabaz de produtos essenciais" da DECO Proteste subiu 12,37% desde a invasão da Ucrânia em Fevereiro. A essencialidade de alguns produtos dos 63 produtos é bastante discutível, mas vamos ignorar isso para nos concentrarmos no mais importante. Este nível de inflação traduz-se num aumento efectivo de €22,72 no preço do dito cabaz.
O conflito armado iniciado pela Rússia não explica a história toda, embora as consequências e os danos colaterais em toda a cadeia alimentar (a começar pela crise energética) sejam a principal causa desta inflação generalizada.
O preço dos alimentos não está a subir por igual. Por cá, o impacto é significativamente maior na carne (17,5% desde Fevereiro) e no peixe (14,2%) do que noutras categorias – congelados (4,5%), mercearia (9,7%) e até mesmo frutas e legumes (10,7%). Com uma pressão tão significativa no orçamento das famílias, é pertinente perguntar: será que a inflação vai mudar os nossos hábitos alimentares?
Todos os caminhos vão dar aos vegetais
Coincidência ou não, continuam a sair estudos que apontam numa direcção para combater a perda de poder de compra: as dietas (maioritariamente ou exclusivamente) de base vegetal são mais baratas.
Para evitar interpretações incorrectas, é importante fazer aqui uma distinção prévia. As dietas de base vegetal são mais baratas quando falamos de alimentos não processados (como uma cenoura) ou com um baixo nível de processamento (como um pão artesanal). Os produtos processados e ultraprocessados, em particular aqueles que visam substituir ou imitar os de origem animal, ainda tendem a ser mais caros, embora com uma trajectória cada vez maior de aproximação no preço.
Um estudo da Universidade de Oxford, com base em dados de 150 países, explica que uma dieta vegetariana estrita (vegana) permite reduzir os custos com a alimentação em até um terço – por comparação com a dieta padrão nos países mais ricos e de riqueza média-alta.
Mesmo para quem opta por uma alimentação dita 'flexitariana', com uma redução significativa do consumo de produtos de origem animal, a poupança estimada ronda os 14% – ainda assim acima dos valores da inflação.
Um outro estudo, desenvolvido por uma equipa da Universidade da Beira Interior, chegou a resultados semelhantes exclusivamente para a realidade portuguesa.
A ciência valida a ideia de que dietas de base vegetal são as mais sustentáveis financeiramente, mas também ambientalmente: os produtos de origem animal emitem o dobro dos gases com efeito de estufa por comparação com os de origem vegetal – com a carne a ser responsável por perto de 60% do total das emissões da produção alimentar.
O ideal seria que cada um de nós pudesse considerar as duas variáveis, de forma informada e consciente, na hora de ir às compras: optar por alimentos acessíveis que tenham igualmente baixos impactos ambientais. A realidade está ainda distante disso, por um lado por falta de informação e conhecimento, por outro lado por uma percepção cultural do consumo de carne como sinónimo de abundância.
Não é surpresa, aliás, constatar que há uma correlação positiva entre o rendimento per capita e o consumo de carne. E que Portugal está à porta do top 10 dos maiores consumidores à escala global, com 94 kg por pessoa/ano, quando as recomendações para evitar o agravamento irreversível das alterações climáticas apontam para um máximo de 24 kg por pessoa/ano em 2030 e de uma redução para 16 kg até 2050.
Por cá, por enquanto, a inflação está sobretudo a fazer com que os consumidores comprem mais marcas brancas e andem mais à caça de promoções. Em todo o caso, segundo a DECO Proteste, um em cada cinco já está a comprar menos carne e peixe.
A resistência à mudança
É legítimo fazer a recomendação a qualquer cidadão (para o seu próprio bem e para o bem comum) de adaptar a sua alimentação aos padrões da dieta planetária. Além dos benefícios para a carteira e para o planeta, acrescem ainda as vantagens para a saúde, em particular na prevenção de doenças associadas à alimentação e ao estilo de vida.
O conceito de dieta planetária, criado pela comissão EAT-Lancet, é interessantíssimo e bastante ambicioso. Basta olhar para as recomendações: não mais do que 14 gramas de carne vermelha por dia (o equivalente a uma fatia de bacon por dia ou a um hambúrguer de vaca por semana), um ovo a cada dois dias ou uma coxa de frango dia sim, dia não.
Seria exequível para ti?
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