Com todas as suas virtudes e todos os seus defeitos, os supermercados e hipermercados estão entre os principais actores do combate às alterações climáticas. A dúvida ao longo destes anos tem sido o papel que querem desempenhar: o de herói ou o de vilão?
O sucesso destas grandes cadeias está em grande parte fundado na segurança alimentar (na perspectiva do acesso democratizado) e na conveniência que proporcionam aos seus clientes, sabendo que de outra forma muitos deles teriam pouca capacidade para se abastecer.
Do ponto de vista ambiental, o seu sucesso fez-se durante muito tempo a todo o custo. E só agora a página começa verdadeiramente a mudar, ainda que a um ritmo muito lento. Afinal, qual o papel de um supermercado no combate às alterações climáticas?
O poder das promoções
As respostas começam a surgir como cogumelos. Na Holanda, país que nos acolheu durante alguns anos e com o qual mantemos uma grande afinidade, foi assinado um compromisso entre os principais grupos retalhistas para reduzir o impacto da sua actividade. Parte da estratégia passa por promover a adopção de uma alimentação mais à base de vegetais.
Coincidência ou não, uma análise feita pela organização de defesa dos direitos dos animais Wakker Dier concluiu que, pela primeira vez desde 2015, houve um decréscimo no número de promoções de carne e produtos similares. Menos preços (mais) baixos na carne, maior a tendência para comprar outros produtos que possam substituí-la – com uma melhor relação custo-benefício.
Carne vs. alternativas vegetais
É também da Holanda que chega a notícia de que as alternativas vegetais à carne passaram a ser mais baratas, comparativamente com os produtos tradicionais. Hambúrgueres vegetais custam agora, em média, 78 cêntimos menos por quilo do que os de carne, concluiu um estudo feito pela Questionmark para a ProVeg Netherlands. A trajectória destes preços já era notória, sobretudo com as economias de escala conseguidas na produção à medida que estas alternativas vegetais ganham quota de mercado. Mas será que isso explica a história por inteiro?
A principal razão está mais relacionada com a guerra na Ucrânia e a inflação generalizada, que por agora teve maior impacto na produção de carne do que nas suas alternativas. Para produzir um quilo de carne são necessários até 10 kg de cereais, cujo preço disparou nos últimos meses.
Este estudo deixa ainda uma pista que não podemos ignorar: as margens nos preços da carne costumam andar nos 8%, enquanto nos substitutos de base vegetal rondam os 35-50%. Dá que pensar quão diferentes seriam as vendas caso as margens aplicadas fossem idênticas.
No fundo, isto mostra que a carne acaba por ser um isco usado até ao limite do lucro para atrair clientes para o supermercado. Uma vez mais, se essa estratégia for interrompida, o que acontece? A balança penderá finalmente a um ritmo mais acelerado em direcção a um consumo mais sustentável?
O que é que ainda está a falhar?
Pela sua dimensão e alcance, quaisquer mudanças nestas cadeias de super- e hipermercados têm um impacto significativo na pegada do sistema alimentar. É certo que têm lançado áreas de venda a granel e aumentado o espaço dedicado a produtos com certificação biológica, mas numa análise mais a pente fino continuam muito aquém em aspecto significativos, como na redução drástica do plástico.
Entre o dizer e o fazer ainda há uma grande distância. Hoje em dia, todos os grandes retalhistas – também em Portugal – adaptaram a sua mensagem de acordo com as preocupações emergentes associadas à sustentabilidade. Às vezes dão até um passo maior do que a perna, fazendo afirmações sem sustento factual e científico. Até recentemente essa prática podia passar impune, mas um caso em específico pode abrir uma caixa de pandora neste sector.
Em Maio do ano passado, Jessica Rawson moveu uma acção judicial contra o ALDI (não aquele que existe em Portugal, mas o outro – sim, há dois), alegando que estava a enganar os consumidores ao promover o seu salmão atlântico como sendo sustentável, quando na verdade era de origem bastante questionável. Ou seja, um caso de puro greenwashing. O ALDI tentou que o caso fosse desconsiderado, mas um tribunal do Illinois decidiu já este ano que a acção tinha base legal e o caso vai agora avançar.
Um precedente deste género abre espaço a que muitas situações de marketing ambiental sejam postas em causa. A propósito disso, e se ainda não o fizeste, vale sempre a pena leres o guia informativo sobre alegações ambientais na comunicação comercial, desenvolvido pela Direção-Geral do Consumidor e pela Auto Regulação Publicitária (ARP). Entre outras coisas, ajuda-te a distinguir o que é greenwashing daquilo que é razoável (enquanto alegação ambiental).
A força dos bons exemplos
Estas cadeias de retalho têm um enorme poder. E quando o poder é usado para ter impacto positivo, coisas boas acontecem. Como no caso desta campanha, já antiga, de como seria um supermercado num mundo sem abelhas.
O caminho passará quase de certeza pela inclusão de informações concretas sobre a (in)sustentabilidade daquilo que compramos, com detalhes como as emissões de carbono associadas a cada produto. Aqui é essencial haver colaboração entre legisladores, retalhistas e produtores/transformadores, para aplicar esta ideia de forma eficaz e transparente.
Na Suécia, a Felix (o equivalente sueco à gigante Heinz, com produtos que vão desde o ketchup às refeições congeladas, passando por picles e compotas), pôs em prática uma experiência interessantíssima: um supermercado (pop-up) com preços indexados às suas emissões de gases com efeitos de estufa. E até foram mais longe: criaram uma moeda própria, com cada cliente a ter um orçamento de 18,9 kg CO2e (dióxido de carbono equivalente) por semana para gastar – o valor máximo definido no Acordo de Paris.
Não deixou de ser uma campanha de marketing da própria Felix, que queria posicionar-se como mais sustentável, mas é uma ideia que merece ser replicada por todo o mundo como ferramenta educacional. Se algum grupo de retalho incorporasse preços em carbono na sua operação, passaria de imediato a herói da sustentabilidade?
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