Um quarto vago, uma bancada da cozinha vazia, o desktop limpo. Chamem-lhe minimalismo ou essencialismo; a ideia de que é melhor ter menos já anda por aí há muito tempo e há três coisas que vos quero escrever sobre isto:
1. Não ter é um ato de resistência
Não sei quanto a vocês, mas eu sinto muitas vezes que não comprar é resistência. O normal é comprar, ter mais. Já para não falar que dizer não quero, não preciso, cria confusão — experimentem fazê-lo da próxima vez que alguém vos oferecer um brinde. Mas é de graça, porque é que não queres?
2. Espaço é privilégio
O espaço limpo e vazio é um luxo. A ideia de quantidade e falta de qualidade estão cada vez mais ligadas, aos objetos maus são mais baratos, o plástico é mais barato, vêm à imagem as lojas dos 300, as montanhas de lixo. Escrevo isto sem qualquer evidência científica, é uma mera observação: ainda mais fácil de assumir quando o espaço para viver está tão caro que um quarto vago é riqueza.
3. A tendência do espaço é encher até ser um problema
Não costumamos pensar nisso, e se calhar o mais óbvio é pensarmos nos armários e nas estantes que temos em casa. A tendência, ao longo do tempo, é para que encham. Se, ao mudarmos, não tivermos coisas suficientes para os novos armários, a eventualmente vamos ocupar o espaço vazio com mais coisas, algumas das quais significam muito para nós, para outros não significam nada — são só coisas.
Para a minha dissertação de Mestrado entrevistei o designer Jorge Silva sobre a sua coleção gráfica. O que ele me disse sobre o espaço das coleções encaixa perfeitamente aqui:
O espaço é cada vez mais também um bem importante. Todos os colecionadores têm problemas de espaço. Uma das características dos colecionadores é esconderem a coleção das mulheres, é o mais típico. Ou esconder o saco ao entrar em casa. Mas a contaminação da parte doméstica por esse mundo que é só seu... É uma coisa que não é fácil, não é? Pode até ser dramático. Há uma exclusão dos outros. E essa exclusão é tão forte que quando a criatura morre, os filhos olham para aquilo... Pode haver um ou outro que até andou por lá e tal, mas no geral, os vinte mil livros que eu tenho, de repente, são um problema... de espaço. Quer dizer, não são mais do que isso: um problema de espaço.
Ler mais aqui sobre a coleção dele.
Menos óbvio é pensarmos no espaço digital, porque nos parece infinito, mas tiramos sempre mais fotografias, guardamos sempre mais projetos, mais ficheiros, mais documentos. Vamos sempre precisar de mais espaço. Limpar fotografias e documentos é uma tarefa que a maior parte das pessoas não vai fazer — é muito mais fácil comprar mais espaço na cloud.
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Este ano, com uma pessoa extra em casa, ainda que seja um bebé, tenho pensado nisto. Há uma urgência em ter menos, para fazermos menos escolhas durante o dia (ver decision fatigue), para não termos tanto para limpar, lavar, arrumar, para, em suma, podermos respirar melhor.
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