Não sei exatamente qual é a sua área de atuação profissional, mas muito provavelmente tem algum senso comum relacionado a ela que você, pessoa que tem conhecimento de dentro, sabe que não é bem assim. Muito provavelmente também você desiste de engajar em explicar essa questão pra todo mundo a uma certa altura porque o senso comum nem sempre pode ser questionado tão facilmente - é preciso movimentações maiores para abalar suas estruturas.
Quando ouço falar em ingredientes tóxicos, tenho essa sensação e já explico um dos motivos - tem mais, que trarei em outra newsletter. Na seleção de nossos ingredientes, não trabalhamos com sintéticos nem os potencialmente tóxicos, e esses são pontos inegociáveis aqui. O impacto de nossa escolha é grande e nossa responsabilidade socioambiental precisa ser também. Trabalhamos apenas com matérias primas naturais, biodegradáveis e que até o momento não demonstraram nenhum tipo de risco para o uso humano correto.
Mas pra além da toxicidade direta de quando consumimos algo, queria lembrar da toxicidade indireta e outras questões que caminham juntas. Enquanto indivíduos nós podemos, caso tenhamos condições financeiras, optar por consumir alimentos e cosméticos orgânicos, por exemplo. Essa é uma opção excelente pra todos os envolvidos e viabiliza a existência de milhares de pequenos agricultores comprometidos com a agroecologia, tão essenciais em tempos como os nossos.
Mas infelizmente não impede que a gente consuma agrotóxicos na água, por exemplo. Ou no ar. Sul, Sudeste e Centro-oeste são campeões em contaminação pela presença massiva do agronegócio nessas regiões, ainda que a gente escolha não consumir dele. Podemos também tentar fugir individualmente da água contaminada e instalar um filtro especial, o que não impedirá que o meio ambiente, toda a vida aquática e outros milhões de seres humanos se contaminem.
Por isso o convite que constantemente fazemos de ampliar as lentes pelas quais enxergamos e atuamos no mundo: pra gente lembrar que o agronegócio no cerrado nos atinge aqui no Sul e Sudeste mesmo que a gente tente fugir dele. Que não dá pra tentar limpar a própria moradia às custas de sujar a alheia. Que todos os seres adoecidos por esse modo de produção destrutivo estão intimamente conectados a nós de formas que mal conseguimos imaginar, de tão complexas. Que, por fim, não há eu e outro: é preciso entender que estamos todos no mesmo barco, em união e solidariedade para que ele siga por um caminho mais gentil para todos os seres, mesmo que precisemos atravessar marés turbulentas em alguns momentos.
Torço muito pra que esse debate possa ir cada dia além da fuga individual baseada no acesso a determinados bens considerados "limpos" e se aproxime cada vez mais de uma visão integral de nossa experiência no mundo. A ambição nessa intenção é grande, mas é com firmeza na direção dela que seguimos juntas. Depois de brotar, a fertilidade desse sentimento em nossos corações sempre será maior que qualquer toxicidade que exista mundo afora.
Com carinho,
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