"Pão é trigo e trigo é dólar", como costuma dizer aquele político famoso. Farinha, gasolina, arroz... você não precisa nem gostar de vinho chileno para ser afetado pelo câmbio, dada a quantidade de produtos do dia-a-dia que dependem de commodities cotadas internacionalmente. O gráfico acima mostra isso de maneira bem impactante.
O jeito mais tradicional de avaliar a perda de poder aquisitivo é por meio de índices de inflação, e o Brasil tem uma variedade imensa deles. Herança do período da inflação galopante, época da minha infância e adolescência (contei algo disso neste texto). No gráfico acima, você vê na linha vermelha o valor nominal do salário mínimo perdendo poder de compra ao longo do ano, até que em janeiro tem um aumentinho. Desde 2016, o salário recebido pela maioria dos trabalhadores não tem aumento real.
Embora o Brasil não tenha uma economia diretamente dolarizada como ocorre na Argentina, se convertermos o valor do salário mínimo em dólares (linha laranja) é possível localizar com certa precisão os piores momentos do país. E aí percebemos que em maio o salário mínimo esteve em seu valor mais baixo em dólares desde janeiro de 2009, no começo da recuperação da crise mundial do subprime. Ficou mais baixo até do que no pior momento do governo Dilma, um ano após sua reeleição e meio ano antes do impeachment.
Esses momentos de crise até agora foram também momentos de mudança de rumos políticos. Logo após a sua reeleição, quando o governo FHC cortou os controles cambiais e deixou o dólar flutuar, houve uma crise bastante forte que, junto ao cenário externo, favoreceu a oposição. Em 2002, boa parte da queda do poder de compra em dólares estava ligada a essa mudança, ainda. A crise de 2008, no meio do segundo governo Lula, levou a mudanças na política econômica, que no curto prazo tiraram o país da crise e fizeram a sucessão, mas eram difíceis de manter. Já a de 2015 está diretamente ligada à insatisfação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff.
O que vai mudar com a crise da Covid, não sabemos ainda. O poder de compra está em nível de crise. A única coisa que sabemos pela evolução da linha é que não se trata de uma crise de saída relativamente rápida no câmbio como foi a de 2015.
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